David Junior recorda gravações na quadra do Chicago Bulls para Bom Sucesso: “Estava trabalhando e sonhando”

Publicado em 22/07/2019

David Junior será o determinado Ramon em Bom Sucesso, nova trama das sete da Globo que estreia 29 de julho. Logo no início do enredo, o público verá o rapaz indo em busca do seu sonho nos Estados Unidos: ser um jogador de basquete.

A viagem acontece após ele ganhar bolsa de estudos em uma universidade e uma proposta para atuar profissionalmente no time Chicago Bulls. No lado oposto dessa realização, Ramon deixará no Brasil o seu grande amor, Paloma (Grazi Massafera), e sua filha Alice (Bruna Inocêncio) – de quem fica por mais de 10 anos afastado.

Em entrevista ao Observatório da Televisão, David Junior conta um pouco sobre a trajetória do seu personagem na novela. O ator também comenta como foi a experiência de gravar cenas na quadra do Chicago Bulls.

Para o artista, a experiência foi um grande privilégio. David ainda fala sobre a parceria com o brasileiro Cristiano Felício, estrela do time da NBA. Confira a seguir:

A novela

Qual a expectativa para estrear em Bom Sucesso?

A expectativa maior é de poder representar muita gente. Não acredito muito nessa palavra ‘protagonismo’ porque acho que o protagonismo é a história. Ela é composta por todos os personagens que fazem parte dessa trama. Eu acho que tenho uma responsabilidade, que estou chamado de ‘peso leve’, de estar representando muita gente nesse Brasil, nesse mundo. Sabendo que a disparidade racial e de opressão é muito grande no nosso país. Só de representar alguém que tem uma história de vida, que ama, chora, ri, que tem sucesso e fracasso, ter família, alguém com quem possa voltar para casa, que é o meu irmão [Leo – Antonio Carlos Santana], já dá um acalanto não só no meu coração, mas no coração de muitos brasileiros. Hoje vemos muito latente, principalmente com o nosso governo, o quanto o racismo é opressor, o machismo é opressor, o quanto que a homofobia está vigente. Tudo isso me dá lastro para chegar com o pé na porta, para olhar no olho e falar: ‘cara, eu estou em casa’. Eu posso sentar no meio-fio numa cena, pegar uma pedrinha e jogar para o alto, que é o que eu fazia quando moleque. Eu sou muito próximo de Bom Sucesso, automaticamente muito próximo do Ramon. Então não é só prazeroso, é como se fosse um sonho atingido.”

David Junior nos Estados Unidos para as gravações da novela
David Junior nos Estados Unidos para as gravações da novela Foto GloboDivulgação

O esporte

O seu personagem mostra um pouco a dificuldade de viver do esporte no Brasil, né? O Ramon precisou ir para os Estados Unidos para conseguir decolar no basquete.

Eu acho que em toda profissão sonhamos em chegar no topo. Ele tinha esse sonho, quem é atleta tem isso muito latente. Todo mundo que ama um esporte sonha em ser reconhecido mundialmente por esse esporte. Esse lugar do basquete nunca foi dito na TV brasileira. Eu gostei não só de ser jogador de basquete, como também ser a máxima do basquete. Tem esportes que são específicos para quem é negro: velocista, basquete, futebol. Tem esportes que são predominantemente de classe minoritária, digamos assim. Então eu podendo ser um jogador de basquete, que sonha em jogar na NBA, para quem gosta de basquete, eu posso dizer que é 80 ou 90% da periferia, e é preto.”

Qual a sua relação com o esporte?

Eu sempre tive relação com o esporte porque sou atleta desde pequeno. Sou ciclista desde os 12 anos de idade, gosto de correr. Sempre fui louco por esporte. O basquete foi uma coisa que passou pela minha vida na época da escola. Eu via pontualmente, mas nunca foi o meu sonho ser um Michael Jordan, apesar de eu sonhar em um dia ter uma camisa do Michael Jordan quando era moleque. E hoje, eu pude estar na quadra do Chicago Bulls, olhar todos os prêmios um por um, as datas, sentir o cheiro daquele lugar e no backstage daquele lugar. Eu estou muito feliz.”

Cristiano Felício participará da novela Bom Sucesso
Cristiano Felício participará da novela Bom Sucesso Foto Divulgação Getty Images

Parceria com Cristiano Felício

Como foi contracenar com Cristiano Felício?

Ele me ensinou bastante coisa. Ele é um garoto grande, tem um coração puro, é aquela pessoa que sorrir com olho, e você já fica todo derretido na hora. O Felício é muito puro e ficou muito à vontade para trocar comigo sobre muitas coisas do universo do basquete no pequeno período que estivemos juntos. Ele também ouviu quando falei algumas coisas. Então assim, posso dizer que eu ensinei uma pessoa de mais dois metros de altura alguma coisa da vida. Já fico feliz por isso [riso]. Além disso, eu estava me sentindo no reino de Avatar, porque só tinham pessoas gigantes. Às vezes parecia que eu andava devagar. Eu também vi a galera que dança, quando faz o entretenimento nos intervalos, treinando atrás [da quadra]. Muito maneiro! Quando eu soube que ia fazer essa novela, imediatamente comprei uma passagem, parcelei em 12 vezes sem juros, e fui para Nova York assistir ao jogo. Tive a oportunidade de casar a minha data com a da Yasmin [Garcez -Fairouz], que estava gravando Órfãos da Terra. Ela teve um intervalo e fomos juntos. Depois eu descobri que ia para Chicago gravar lá, e ainda pude levar ela para mim. Então o que eu mais quero da vida? Não quero mais nada. Eu estava num lugar maravilhoso, com uma mulher maravilhosa, curtindo a minha viagem, que não era só a dos meus sonhos, mas também a trabalho. Ou seja, eu estava trabalhando e sonhando ao mesmo tempo.

Alberto, Marcos, Paloma e Ramon são os protagonistas de Bom Sucesso
Alberto Marcos Paloma e Ramon são os protagonistas de Bom Sucesso Foto João CottaGlobo

Tema principal da trama

A novela fala muito sobre o tema morte. Como você lida com esse momento?

Eu já tive que lidar muito com a morte, infelizmente. Ela só faz a gente perceber o quanto o tempo vale. Cada segundo e minuto da sua vida, se você puder estar com as pessoas que ama, puder valorizar as pessoas que te fato de te amam, isso é de suma importância. Tenho histórias trágicas de morte na família. Acho que se isso me fez perceber o que importa de verdade na vida é a família. Isso me deixa muito com o pé no chão e ciente de que irei fazer um bom trabalho, porque essa novela fala de tempo e de família. Ela retrata muito a família brasileira, miscigenada, colorida e que está pelo amor, afeto e união de querer estar e crescer junto. Ela [Paloma] sonhava em fazer faculdade, mas abriu mão porque acreditava nele, na família e no amor. Eu tenho uma relação com a morte imediatista. Temos que fazer e viver o agora. A vida é um sopro. Nascemos do nada e podemos morrer do nada, isso é um fato. A única certeza que temos na vida é que vamos morrer, isso é certo. Então temos que dar o nosso melhor para estarmos com as melhores pessoas que acreditamos ser.

Reviravolta

O Ramon vai sofrer uma contusão e passará a trabalhar como roupeiro do time Chicago Bulls. Ele vai ficar decepcionado ao ver o sonho de ser um grande jogador impedido?

Eu acho que a decepção maior dele foi ter tentado por 16 anos, sem sucesso, sustentar a família. Ele optou por lutar pelo sustento da família, mas esqueceu que tinha que estar ao lado da família. Ele ficou 16 anos longe de uma menina [a filha]. O sonho dele não era só ser um astro do basquete. O sonho dele era ser um astro do basquete para dar o sustento para a família dele. Esse é o carro-chefe dele. Ele tem plena consciência disso. Quando ele volta, faz de tudo para estar junto da mulher que ele ama, pelo tempo que for, seis meses ou não. Mas, acima de tudo, ele voltou porque sabe todo o tempo que perdeu longe da filha, e ele quer conquistar o novo passo de ser e se fazer presente.

Ramon (David Junior), Paloma (Grazi Massafera) Marcos (Romulo Estrela) em Bom Sucesso
Ramon David Junior Paloma Grazi Massafera Marcos Romulo Estrela em Bom Sucesso Divulgação TV Globo

Carreira

Você sonhava em conquistar um personagem de destaque em uma obra da teledramaturgia?

Se eu disser que sempre sonhei em estar fazendo um papel de destaque é mentira. A única tatuagem que tenho no corpo é a palavra ‘serendipidade’, que é quando você vai de encontro a uma coisa, mas acaba encontrando outra. Essa palavra eu li no livro chamado ‘Um Defeito de Cor’, da Ana Maria Gonçalves, que conta uma história linda. Eu tropecei na arte, me identifiquei com ela e aqui estou. Me perguntaram o que eu senti quando cheguei em Chicago. Eu falei que me senti grande o suficiente para estar naquele lugar. Aconteceu o que tinha que acontecer para eu estar naquele lugar. Hoje, se tem uma coisa que eu sei que sou é protagonista da minha vida. Isso para mim já é o suficiente para estar lá ou em qualquer outro lugar, profissionalmente ou não.”

Quebrando barreiras

Você precisou quebrar muitas barreiras para conseguir chegar nesse patamar em que se encontra?

Eu sou a contramão do sistema. A minha referência, se eu não saio assim [bem arrumado], se saio de camiseta, chinelo e bermuda e corro por qualquer motivo, para pegar um ônibus, eu serei um cara suspeito independente de ser um ator ou não. O fato de estar aqui hoje, vindo de Nova Iguaçu, tendo que trabalhar num banco para depois ir estudar em Botafogo e voltar no último trem para conseguir me formar como ator, e não se corromper com todas as oportunidades… Porque quando você é periférico, seu teto é muito baixo. Seu teto é a referência que você tem de sucesso. E a referência de sucesso que temos na periferia é quem tem carro, moto, anda com ouro e tem uma mulher. A periferia tem uma referência muito baixa. De onde eu vim, a referência de sucesso é quem era médico. E por que era médico? Porque a faculdade custava R$ 8 mil reais e só quem fazia comprava, pagava R$ 160 mil numa matrícula. Nós periféricos não tínhamos essa ambição porque não conseguíamos chegar nesse lugar, não temos família para chegar e bancar. Não que eu diga que comprar vaga é bom ou não, longe de mim. Mas não tem direito nem de passar no vestibular e pagar R$ 8 mil, não tem direito de conseguir pagar uma escola que dê base suficiente para competir. É uma coisa cíclica. Então chegar aqui hoje, representar toda essa galera, tem uma estrada.

David Junior na coletiva de Bom Sucesso
David Junior na coletiva de Bom Sucesso Foto Globo Estevam Avellar

Reconhecimento

Você fica orgulhoso de ver o seu esforço sendo reconhecido?

Eu acho que é um reconhecimento de uma história e estrada. Uma estrada do Seu Romeu Evaristo, Ruth de Souza, Zezé Motta, Antonio Pitanga. Uma estrada que permitiu estarmos aqui hoje. Tem muita gente por trás da gente. Uma galera que foi militante num lugar onde, na época, ter uma relação era proibido. Você tinha uma mulher negra objetificada sexualmente como Globeleza. O único símbolo que temos da mulher negra é no carnaval rebolando a bunda. É uma estrada bem doída. As nossas referências hoje de maior sucesso, se você for olhar, não estão bem estruturadas ainda. Por quê? Porque para além de terem para elas, tinha um monte de gente atrás que dependia delas. Os outros não! Eles já são suficientes pela família, não precisam sustentar ninguém, não tem nenhum passarinho para dar alpiste, aí pega o dinheiro e injeta tudo. A gente não! Tem uma tia que precisa de dentadura porque não consegue sair de casa com vergonha. Tem uma prima que quer abortar o terceiro filho e não tem condição de pagar. Tem tanta coisa por trás que precisamos equilibrar, ao mesmo tempo, emocionalmente no outro e em nós, que o financeiro acaba sendo o mínimo…”

“Você tinha uma mulher negra objetificada sexualmente como Globeleza”

“… Não pensamos em guardar dinheiro, pensamos em ajudar os nossos. É o que significa a palavra ‘ubuntu’: eu sou porque nós somos. Pensamos muito nos nossos porque temos laços de família. Não dá para pensar em mim, eu penso no coletivo. Eu consigo olhar no olho do Caio [Cabral – Patrick] e falar: ‘mano, eu estou contigo até o final da novela. Se tu precisar de alguma coisa pode contar comigo’. Eu sei que ele vai precisar. É difícil ter uma autoestima quando não temos referência. Eu me coloco nesse lugar de ‘peso leve’ porque foi errar e acertar pra cacete nessa novela. Mas eu tenho certeza que vou dar o meu melhor por conta de tanta gente que estarei representando.”

Vida amorosa

O Ramon larga a vida dele em Chicago para tentar resgatar o grande amor que sente pela Paloma. Você tomaria essa atitude também?

David Junior hoje, com 33 anos, não. Hoje eu encontrei um relacionamento que faz eu acreditar que qualquer coisa vale a pena. Se eu quiser desistir de ser ator para virar cozinheiro na Tailândia, ela compra [apoia]. Nós vamos juntos e fazemos isso juntos. Eu acho que não tem sonho maior do que a família, e já que eu encontrei uma pessoa que me identifico e quero ter pelo resto da vida ao meu lado, eu acho que não. Eu tenho que falar de hoje. Não pode falar de amanhã ou de ontem.”

Você e a Yasmin pensam em oficializar a união? Casar é um sonho para você?

A gente conversa. Eu já fui casado, com uma pessoa também maravilhosa. Uma pessoa com ‘n’ qualidades e maior que eu considero é a de se transformar, reinventar e mergulhar numa relação. Eu só encontrei uma incompatibilidade num determinado momento e decidi ser feliz, ser protagonista da minha própria vida e criar uma felicidade minha, independente com quem eu esteja. E eu tive a sorte de encontrar uma pessoa que está me completando nesse lugar. Hoje eu posso dizer que, além da minha mãe e irmã, obviamente, tive duas mulheres maravilhosas na minha vida. Acho que agora estou vivendo um outro momento da minha carreira, da minha relação e da vida.”

Vocês moram juntos?

A gente mora lá e cá. A gente não se desgruda, moramos em todos os cantos.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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