Eliane Giardini sentencia: “Nádia tem que apanhar muito para mudar”

Publicado em 27/12/2017

Em O Outro Lado do Paraíso, Eliane Giardini vive Nádia, a deslumbrada e preconceituosa dona do principal salão de beleza da cidade. Na trama das 21h, a atriz já protagonizou cenas fortes de preconceito racial que chamaram a atenção do público, fazendo sua personagem ser odiada nas redes sociais. O Observatório da Televisão bateu um papo com Eliane sobre os rumos de Nádia e sua repercussão junto ao público. Confira:

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Vamos falar do visual. Você está loira para viver a Nádia. Está se gostando assim?

Estou adorando! Foi um susto para mim quando me falaram que estavam pensando na personagem ser loira. No início eu falei: ‘Não, é demais para mim a essa altura da vida ficar loira’, aí fomos clareando aos poucos, colocando uns mega e eu fui gostando. Ficou bom. Não dizem que a gente não fica velha, e sim, loira? Acho que sou a confirmação da regra.

Qual a resposta você está tendo do público?

A novela é um estrondo. Walcyr Carrasco (autor) é um super comunicador, e não poderia ser diferente porque ele arrebenta em todos os trabalhos. A volta da Clara (Bianca Bin) foi espetacular, alcançou 46 pontos, e ainda temos muita novela pela frente. O Walcyr não segura história, ele vai gastando e o público ama isso, ver a história se desenrolar. Quando nos falamos, eu disse para ele: “Eu rezo para Deus continuar te inspirando a ter tanta história para contar, porque não é brincadeira”. Quanto à Nádia, surpreendentemente não apanhei na rua, nem as pessoas foram desagradáveis comigo, talvez porque eu tenha muitos anos de personagens. Creio que se eu fosse uma atriz que estivesse começando agora, as pessoas entenderiam como uma personagem mais antipática do que é. As pessoas chegam para mim e dizem: “Tenho vontade de bater em você”, mas de forma bem delicada e carinhosa.

Você acha que ela é uma vilã?

Não! Vilã é a Sophia (Marieta Severo). Minha personagem é uma dessituada, ignorante e vive dentro dessa bolha que esse país tem, de pessoas com uma renda alta, e que desconhecem o Brasil a sua volta. Espero que algumas coisas que estão acontecendo furem a bolha dela, como a Raquel (Erika Januza) ou a situação com o Diego (Arthur Aguiar). Uma hora ela vai ter que acordar e crescer, ou então, que vá para Bangu, fazer companhia para o Sergio Cabral (risos).

E a Nádia tem aquela tara por fantasias, não é?

Essa parte é engraçada. Começamos fazendo umas brincadeiras, na preparação fizemos algumas improvisações, inclusive tivemos um dia só meu e do Luís Melo, que provamos uma arara inteira de fantasias. Eu gosto de dar essa zoada nos personagens, até mesmo na cena que o Gustavo fingia que batia na Nádia e ela o chamava de Gael e brincava com aquela situação. Como não são personagens do bem, é engraçado a gente zoá-los.

Você usa fantasias na sua vida?

Acho que por deformação profissional, devo ser a mulher que menos usa fantasia na vida, porque já uso demais no trabalho. Uma vez vi uma entrevista com o Marcello Mastroianni que ele dizia que se a mulher quisesse um homem fogoso, cheio de imaginação, era para se casar com alguém com um emprego bem rotineiro. Ator chega em casa e não quer saber de nada. Na minha vida por exemplo, não uso um anel, um brinco, nenhum acessório, para contrabalançar com os meus personagens.

A Nádia é uma mulher que tem uma questão de preconceito, mas é uma personagem que também tem uma vida afetiva, não é?

Eu acho ótimo. A ficção inclusive chegou tarde nesse aspecto. Eu comecei tarde fazendo televisão, aos 40 anos, e sempre pensei que não teriam mais personagens para mim, porque na maturidade, existiam as personagens que eram mães, e só, elas não tinham vida afetiva. De repente o mundo mudou. Minha geração da qual tenho muito orgulho, é uma geração que veio rompendo padrões. Esse prolongamento de uma vida afetiva existe na vida real, e chegou tarde na ficção, assim como na publicidade. Não tem uma revista, ou algo assim que mostre o cotidiano de pessoas mais velhas, até para me vestir tenho dificuldade em encontrar referências porque parece que não existe glamour, o que não é a realidade. Acho incrível que a publicidade não se antenou para isso ainda. A realidade dá de mil na ficção, mas graças a Deus tenho tido bons trabalhos.

Às vezes as pessoas ficam presas a ilusões de que seus pais e avós não têm mais vida sexual, e a novela ajuda a quebrar isso, não é?

A ficção ajuda a revelar, porque isso existe na vida. Tenho histórias incríveis de tias, avós, tudo na surdina. À medida que a ficção começa a mostrar, as pessoas começam a se sentir mais livres também, e aquelas que não acreditavam, passam ver que aquilo existe. Por exemplo, o racismo, o machismo, sempre existiram, mas agora está sendo revelado para as pessoas que sempre acreditaram naquela mentira que o brasileiro não é racista. O Brasil é uma país muito violento, e as estatísticas mostram isso para a gente.

A trama do Walcyr é tão atual que aconteceu recentemente o caso de uma empregada que pediu para voltar a trabalhar na casa de uma ex-patroa, e a ex-patroa disse que não, porque ela havia comido no mesmo prato que ela, ao invés de comer no prato de plástico e coisas desse tipo. Como você enxerga esse tipo de situação semelhante às atitudes da Nádia?

Isso é assustador. Já vi muitas coisas por aí a vida inteira. Faço parte de uma classe um pouco mais privilegiada, e é aí que a coisa pega, e pega mesmo. Eu não consigo entrar no Twitter, assistindo e postando ao mesmo tempo, mas consigo ler o que os outros postam enquanto a novela está no ar, e a reação é muito imediata às falas da Nádia, isso dá a medida da consciência que as pessoas têm. Todo o meu texto é muito de direita, inclusive hoje, tive uma cena que a personagem diz: ‘Não sei porque no Brasil não tem pena de morte. Não sei para que gastar dinheiro com preso’. Imagino que as pessoas que reagem contra isso, se reprimem. Vivemos um momento louco, que ao mesmo tempo que existe muita consciência, existe muita liberdade para expor o retrocesso que está havendo. Existe uma onda retrógrada que está tomando conta do mundo.

Entrevistei o Caio Paduan recentemente e ele te elogiou muito. Ele e a Erika Januza fazem parte de uma geração que veio para atuar, diferente do que víamos há um tempo de atores que só se preocupavam em aparecer… 

Ainda tem muito isso. A novela possibilita isso. A gente sabe bem quem é um e quem é outro, e isso fica claro para a gente, e sabemos que tem interesses diferentes entre os atores que fazem parte de uma novela. As celebridades também atraem a audiência, claro que são momentâneas, diferente do Caio que vai construir uma carreira sólida porque é um ator de estudo, que se esforça. Sabemos que ele tem um longo caminho pela frente, mas a consistência com a qual ele constrói a atuação nos leva a perceber que ele vai chegar longe, e a Erika é outra. Ambos são pessoas vocacionadas para a interpretação, diferente daqueles que são vocacionados pelo empreendedorismo e outras questões.

Uma das cenas antologias é a humilhação da Nádia para com a Raquel e depois o retorno da Raquel, como juíza que ocasionou o desmaio da sua personagem. Como foi gravar essas cenas?

O Walcyr construiu isso muito bem. A cena que Nádia a demitiu foi um sofrimento para nós duas. Eu não conseguia fazer, não conseguia olhar para a cara dela, aquela mulher linda na minha frente, e eu não conseguia dizer todo o texto. Pedi a ela para que eu pudesse repetir várias vezes para as falas não saírem com pudor ou envergonhadas, tinha que sair forte. Essas coisas são muito duras, e repetimos até que eu conseguisse falar e ela conseguisse ouvir. Ela chorou tanto, que até aconteceu uma coisa engraçada. A cena dela continuava, e eu não sabia, entrei pedindo desculpas, sem saber que ainda estavam gravando. Eu estava devastada, mas era importante, porque quando mais eu pisasse nela, mais incrível seria a volta dela.

O Bruno vai se separar da Tônia para ficar com a Raquel, e leva a juíza para passar o Reveillón em casa. Isso vai causar, não vai?  

A Nádia tenta entubar, mas não consegue. A língua dela é enorme, e na terceira fala dela, ela já solta uma que faz com que a Raquel vá embora com o Bruno, e ela fica lá olhando aquele banquete.

O Diego também vai trazer problemas para a Nádia?

Alguns. Ele tem uma questão sexual. Transa muito bem com as prostitutas, mas não consegue transar com a mulher que ama.

Vemos nessa novela atores veteranos como Fernanda Montenegro que estão dando um show. Quais são as suas inspirações? Afinal, você também inspira muito os jovens atores…

Que bom. Eu me deleito assistindo à Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, e Lima Duarte. Acho incrível o elenco que temos nessa novela, porque é incrível. Gostamos de ver quando o ator é bom. É gostoso falar de verdade com alguém: “Caramba, como estava boa aquela tua cena”, é gostoso ver um bom ator em cena, tenha ele 18 ou 90 anos. O que é Glorinha (Gloria Pires)? Essa novela é um show.

Você acha que uma pessoa como a Nádia pode ter salvação? 

Eu acredito que a gente está aqui para melhorar. Não é fácil estar nesse planeta, nem viver a vida. Precisamos de muitas coisas boas para aguentar. Acredito que estamos aqui para melhorar em muitos aspectos e gostaria que ela melhorasse, mas ela tem que apanhar muito para mudar. Não uma ou duas vezes, mas sofrer muito, ficar sozinha, isolada, sem dinheiro e sem as coisas que dão suporte para ela.

Saíram notas em alguns sites sobre a Nádia, dizendo que o Gustavo a teria conhecido no bordel…

Não é verdade, não.

Você tem uma energia muito boa. Como é para você sair daqui depois de ter passado o dia interpretando essa personagem que é naturalmente mais carregada?

Não tenho essa dificuldade. A personagem tem uma leveza apesar dos absurdos que ela representa, tem uma comicidade, e procuro o dinamismo nisso. Diferente de quando fiz a Zana em Dois Irmãos, que tinham dias em que eu ia me arrastando para casa. Ali era dor profunda.

Como você lida com o passar do tempo?

Lido de duas formas. Primeiro que acho que você vai ficando mais leve. Os grandes dramas são passageiros, a gente pensa: “isso passa”, e a maturidade leva embora essas pequenas coisas. O ideal seria que fossemos iguais ao Benjamin Button, que ficássemos maduros e fossemos rejuvenescendo, mas como nada é perfeito… Sentimos que não temos a mesma agilidade, temos dores, sobra uma pele aqui, outra ali, mas não temos opção.

Você disse que começou a atuar tarde na TV. Imaginava colocar seu nome na galeria de grandes atrizes?

Eu sonhava, não vou dizer que não. Minha meta era estar ao lado dessas pessoas. Tudo o que eu queria era fazer uma novela com Gloria Pires, Fernanda Montenegro e Marieta Severo, porque isso é uma maravilha. Quando se começa um trabalho, você quer que as pessoas te vejam no seu melhor, e era muito difícil para mim não conseguir que as pessoas vissem o meu trabalho. Aí as pessoas começaram a ver, e daí para frente não parei de trabalhar, e espero continuar. Nossa profissão ainda bem, não tem essa limitação do tempo. Não é como um atleta, que não tem o mesmo desempenho. Se a gente tiver ajeitadinha, vai longe.

Você saiu da mãe do Candinho, e veio para a Nádia, personagens completamente diferentes. Você gosta dessa diversidade de papéis?

Eu adoro isso, poder fazer coisas diferentes. Isso mostra que as pessoas não pensam em mim só numa determinada atmosfera de personagem. Para o ator fazer coisas diferentes é uma glória.

Dos seus personagens marcantes, qual você acredita que as pessoas passaram a conhecer você melhor como atriz?

Acho que Renascer, foi uma novela muito forte, depois O Clone. A Nazira me trouxe a comédia, que eu não sabia se conseguiria fazer. Eu era uma atriz dramática, com uma voz muito potente, muito forte como o Abujamra dizia, e a Gloria Perez me trouxe esse descobrimento.

A Nádia comprou o salão de beleza na novela. Como é a sua relação na vida real com o salão?

Não frequento. Sou uma pessoa bem recolhida na vida. Quando tenho que pintar o cabelo, tenho uma pessoa que vai na minha casa pintar, ou faço aqui na televisão. Quando vou cortar o cabelo, aí sim, eu vou ao salão, mas fora isso, não consigo ficar, porque as pessoas querem saber da novela, o que vai acontecer, etc.

Quem você acha que é o sócio secreto do bordel?

Eu estou achando que é Gustavo, mas ainda não tenho certeza. Como falam que o sócio é uma pessoa poderosa, influente na cidade, este é meu palpite. Mas se for ele, pode ter certeza que a Nádia vai dar o troco.

O que é a vida para você?

Ah, não tenho como responder essa pergunta. A gente vai vivendo no dia a dia, não tem como planejar. A gente está numa floresta escura, sem bula, sem manual e vamos aprendendo pela gente o que dá certo e o que não dá. A vida é um aprimoramento e um aprendizado diário em cada escolha.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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