Novo âncora da Band News relembra cobertura da tragédia em Mariana: “Aquela lama enterrou histórias, sufocou sonhos”

Publicado em 16/12/2016

Foram mais de doze anos trabalhando pelo Grupo Globo e afiliadas em diversas regiões do país. Fernando Moreira fez uma rápida passagem pelo SBT e, em setembro, foi contratado pelo Grupo Bandeirantes para ancorar o Madrugada Band News.

Na nova Casa, o âncora cobriu as eleições americanas e a tragédia com o avião da Lamia, que levava a bordo jornalistas e parte do time da Chapecoense.

Formado em jornalismo, com pós-graduação em relações internacionais, Fernando realizou ainda cursos extras como Correspondência  Internacional, na Europa – República Tcheca, pelo TOL, com profissionais da BBC e The Economist – e de Cobertura de Crises e Catástrofes, pela Thomson Reuters Foundation, a fundação da agência de notícias Reuters.

Em entrevista exclusiva ao Observatório da Televisão, Moreira relembra momentos dramáticos em Mariana e dos desafios como âncora de um canal focado quase que 24hs em programação ao vivo.

Você cobriu a tragédia em Mariana. Como isso contribuiu para o seu trabalho? Quantas horas trabalhou por conta das reportagens e apurações? Mantém contato com os moradores? Para quem está longe a visão é outra, talvez as dimensões da tragédia sejam menores. Mas para você que esteve lá, fez uma longa cobertura pela Globo, o que mais te marcou?

Mariana foi uma experiência singular em minha vida. Eu me lembro de estar cobrindo, para os telejornais locais de Minas e para o Jornal Nacional, o julgamento do Caso Unaí: o assassinato de fiscais e de um motorista do Ministério do Trabalho. O julgamento era em Belo Horizonte e a semana já estava bastante atribulada. Eram muitas matérias, entradas ao vivo na programação, intervalos, jornais locais e no canal de notícias da emissora em que trabalhava. No penúltimo dia do julgamento, dia 5 de novembro de 2015, pouco antes do jornal local edição da noite veio a notícia. Um colega, auxiliar técnico da emissora, havia ouvido que uma barragem teria se rompido em Mariana. No dia seguinte, de manhã eu estava de malas prontas e informei à chefia: eu vou e só volto quando for necessário. Fui escalado para o dia, mas cheguei com mala para uma semana. Desmarquei meus compromissos. Vi a gravidade daquela imagem que, na TV, saltava aos olhos. Não voltei durante as três semanas seguintes. Foi uma cobertura permeada por garra, força e muita emoção. Acordava de madrugada. Dormia na madrugada seguinte.

Ficamos em um hotel em Mariana. Foram assim os dias. Entradas ao vivo eram seguidas. Cheguei a fazer mais de trinta em um único dia. Dos primeiros jornais da madrugada até os últimos, nos intervalos na programação, jornais locais e nacionais. Todos, sem exceção. Programas jornalísticos e de entretenimento.  Passava o dia ali e foi assim que conheci histórias que mexeram comigo e ainda mexem. Em uma delas, segurei com muita força o choro ao conversar com o sr. Wanderley, semanas depois da tragédia. Ele procurava notícias da mãe. Eu havia estado no IML em BH. Ouvi do diretor do Instituto que o corpo dela estava ali e que isso seria divulgado em momento oportuno. Entrevistar novamente o sr. Wanderley, com quem havia gravado logo no início de sua jornada, foi viver um dos conflitos éticos mais difíceis da minha vida. Eu não tinha o direito de noticiar aquilo. Sr. Wanderley abatido, incansável, merecia uma resposta oficial. Não podia contar a ele também. Não cabia a mim. Engoli o choro. Terminei a entrevista. Dei um abraço apertado e, antes que o repórter cinematográfico Saulo Luiz terminasse as imagens, corri pro carro e chorei. Não queria me mostrar fraco diante de quem estava mais fragilizado do que eu. Imaginei que isso também não cabia a mim naquele momento. Preferi sair de cena. Chorei muito. Saulo entrou no carro e falou: Não precisa dizer nada. Vi nos seus olhos. Você se lembrou de sua mãe, não foi?

Fui o repórter que mais tempo ficou em Mariana no primeiro mês da tragédia. Conseguimos fazer muitas reportagens exclusivas. Elas me tocaram muito. Estive na equipe que fez a primeira transmissão ao vivo de dentro do distrito de Bento Rodrigues. Foi na raça. Ao chegar ali, eu me arrepiei. Ver de perto era algo muito mais devastador. A primeira imagem que me veio à mente foi a da destruição causada pelas enchentes em Alagoas, em 2010.

Cobertura que também fiz para o JN. Não havia sinal de telefonia em Bento Rodrigues. A cidade era um mar de lama de minério. O cheiro era forte. Tudo havia parado no tempo. Lembro-me de uma casa em que os ponteiros de relógio marcavam a hora da tragédia. Era pouco depois de quatro da tarde. Inclusive, por isso, acredita-se que o desastre humano não tenha sido maior. Muitos estavam fora do distrito, trabalhando. Um chapéu pendurado na parede ficou ali, como estava. Tudo tinha sido interrompido bruscamente. A impressão era de que não houve tempo pra nada. Imaginei aquela avalanche de ganância e lama vindo furiosa e levando o que encontrava pela frente.

Para entrar ao vivo, o sinal de vídeo estava intermitente, pela dificuldade na comunicação no local. Não havia energia, não havia sinais de transmissão na cidade. Eu não ouvia a comunicação com a emissora também. Nem da programação, nem da coordenação. A técnica não sabia se mantinha ou derrubava. Insistimos e a equipe que estava comigo no carro, que gera o sinal de imagens ao vivo para a emissora, gritou um “vai”. Fomos com garra. Toda a equipe, numa brilhante sintonia. Guerreiros. Enquanto aguardava, acabei atolado na lama. Entramos ao vivo assim mesmo, imundos de barro e, para mim, foi um momento de grande importância. Ao sair de lá, precisamos de ajuda. Chegamos a afundar na lama até a metade da coxa. Eu e o cinegrafista Fred Dávila. O solo estava instável. Um dia depois, os bombeiros fecharam os acessos ao distrito, por questão de segurança. A qualquer momento poderia haver um rompimento de outra barragem, segundo as informações naquela época. Evidentemente, fomos até onde era sensato ir.

São histórias que jamais esquecerei. Como jornalista, fiz uma listinha de fontes. Uma agenda. Ligava para os entrevistados diariamente. Uma imagem que nunca saiu da minha memória foi no distrito de Paracatu de Baixo, na casa do sr. Roberto. Toda debaixo de lama. Era um lugar remoto, onde também não pegava celular. O carro não chegava. Íamos até certo ponto e depois andávamos a pé, debaixo de um sol causticante, por pelo menos uns 40 minutos. Era uma operação arriscada. A base de operações da emissora estava em Mariana. O lugar ficava a quase duas horas de lá. E as notícias não paravam de chegar. A história dele, contudo, precisava ser mostrada. Eles correram para um barranco quando a lama passou e conseguiram se salvar. Foram instantes entre viver ou morrer. Nenhuma outra equipe foi até lá. Consegui voltar semanas depois e ver como eles ainda estavam: sem auxílio, sem moradia. Vivendo ali. Ele dizia que não iria abandonar a casa que viveu a vida inteira. Foi de cortar o coração.

Também fomos os primeiros a ir ao distrito de Gesteira. Era ainda mais longe e demorou um pouco mais para conseguirmos chegar. A vaquinha Noruega estava sôfrega, atolada na lama, ilhada. Ninguém chegava. Quem se aventurasse ficaria preso. O destino dela parecia fatal. Não me conformei. Liguei pros bombeiros. Pedi ajuda. Informei à assessoria da Samarco que eles precisavam conseguir um helicóptero e acabar com aquela espera agonizante do animal. Um dia depois, liguei para o sitiante novamente. Ela havia sido resgatada e já se recuperava. Uma pequena vitória diante de tantas baixas.

Outra ocasião que me marcou foi ter sido abordado por uma senhora. Ela trazia o retrato do filhinho nas mãos. Ele estava desaparecido. Isso foi nas primeiras horas em que chegamos lá. Estava prestes a fazer minha primeira entrada ao vivo. Peguei a foto. Pedi pra que filmassem e gerassem o material pra emissora. Foi um dos primeiros a serem encontrados. Um mês depois, ao falar novamente com ela, olhei em seus olhos marejados e ouvi: “O que eu faço, agora? Acabou. Nossa vida acabou.” Parei, respirei, abracei-a por um longo período. Aquela lama, realmente, enterrou histórias, planos. Sufocou sonhos. Interrompeu caminhos. Engoliu um rio inteiro. Um rio que era doce.

Fernando Moreira cobriu a tragedia de Mariana pela Globo Minas em 2015 (Reprodução/Instagram)

Em SP você fez reportagens pelo SBT e agora está na Band News. De repórter a apresentador. Como tem encarado o desafio?

Cheguei a São Paulo e fui muito bem recebido no SBT. Uma empresa incrível, onde trabalhei com ídolos, como Marcelo Torres e Sérgio Utsch. Cilene Frias e Rodrigo Hornhardt, que estão no comando da redação, junto com o Marcelo Parada, tornaram-se grandes amigos. O clima na emissora é ótimo.

Veio, então, um novo desafio na minha carreira. Henri Karam e André Luiz Costa, me acolheram no Bandnews TV. Um canal de notícias que revelou talentos incríveis e que tem uma tradição  em trazer o que acontece na velocidade e com a acurácia necessárias. Um sucesso.

Sinceramente, acho a Band um canal incrível. Sempre acompanhei o Mitre, a quem admiro. Boechat, pra mim, é um dos melhores jornalistas da atualidade. Provavelmente, o melhor e mais bem preparado âncora. Ao Henri, meu chefe direto, eu assistia quando era repórter. Um excelente repórter, diga-se. Foi correspondente. Tem traquejo. E sou muito grato ao André, nosso diretor, pela oportunidade e confiança. É um momento muito feliz da minha vida. A última vez que havia sido âncora de telejornal foi em 2005, na TV Betim. Apresentava o telejornal das 20h. Gosto de ambas as funções.

Comecei na emissora em um cargo novo. Como editor de texto. Antes, contudo, Henri pediu para que eu gravasse um piloto de apresentação, que ele me disse ter sido aprovado pela direção da emissora. Em poucos dias, tive o privilégio de fazer entradas ao vivo pro Café com Jornal, um telejornal moderno, leve, gostoso de assistir. Comando pelo ótimo jornalista Claudio Cordeio e uma equipe brilhante e assinado pelos incríveis Luiz Megale, Laura Ferreira, Ana Paula Rodriges, Mauro Soares. Não demorou para que o Henri me propusesse apresentar por um dia o Madrugada Bandnews. “Você pode amanhã?” Foi mais ou menos essa a proposta. Sem titubear, retruquei: “Posso”! Então, ele me propôs assumir o horário, o que aceitei imediatamente. Sou extremamente grato pela confiança no meu trabalho e por, em tão pouco tempo, ter tido o apoio dos meus chefes. É uma honra trabalhar com uma equipe em sintonia. Ter a chance de aprender com profissionais que admiro, como Darlan Penido, que tem uma história longa no telejornalismo e é um grande amigo, Rosângela Lara e Luciana Couto e com a minha querida equipe da madrugada, sob os cuidados do Silverio Morais. A equipe é forte, coesa. O clima na emissora é de companheirismo. Somos colegas e nos ajudamos mutuamente. Os apresentadores, os editores. Uma sintonia sensacional. Temos grandes profissionais na casa. Dos experientes aos novos talentos. Uma mistura equilibrada. É uma honra fazer parte desse grande time.

Pelo SBT fez reportagens especias (Reprodução/Instagram)

Quais coberturas já fez pelo canal?

No primeiro mês, já houve um desafio imenso e completamente  novo na minha jornada até aqui. Ancorar a apuração, ao vivo, das eleições americanas. No estúdio, chamei reportagens, correspondentes em Londres, em Nova Iorque, em Paris. Foram seis horas ininterruptas de cobertura, ali, ao vivo. Tive o prazer de trabalhar ao lado do colega Marcelo Favali, inteligente e perspicaz e, ambos, tivemos a honra da companhia do meu antigo professor de Ciência Política Internacional na UnB, Carlos Pio, que se dispôs a comentar durante a madrugada, dando coesão à nossa cobertura, abrilhantando-a. Foi um trabalho ímpar e uma satisfação imensa cobrir um assunto relevante, pelo qual sempre me interessei e, até então, apenas acompanhava pela TV, já que antes fazia coberturas mais fragmentadas sobre realidades locais. Assuntos macroeconômicos e políticos sempre chamaram minha atenção. Foi uma das coberturas mais importantes da minha carreira. Outro momento extremamente importante foi a cobertura da queda do avião da Lamia, que levava a equipe da Chapecoense à Colômbia pra final da Copa Sul-americana. Interrompemos nossa programação, por volta de 3h40 da manhã, para registrarmos o fato. As informações eram muito fragmentadas. Voltamos, contudo, por volta de 3h50. Não tínhamos muitas notícias do que ocorria. No máximo uns cinco minutos de informação. Ficamos ao vivo de 3h50 até 6h da manhã. Dessa vez, era algo que havia acabado de ocorrer. Não havia muitas imagens também. Elas chegavam das agências de notícia internacionais. Foi um grande teste. Por duas horas e dez minutos, foi improviso. Dessa vez, eu estava sozinho na bancada. Foi teste de desenvoltura. Ao mesmo tempo em que era preciso lidar com um grande acontecimento. Até então, a notícia era de 81 ocupantes e seis resgatados com vida. Foi dramático. Pelo horário e pela dificuldade para que o regaste chegasse ao local, as informações também chegavam lentamente. Da bancada, queria dar uma mensagem de esperança. Queria muito falar que outras pessoas haviam sido resgatadas com vida. Foram mais de duas horas de improviso e atualizando as informações que chegavam, sob a coordenação do competente jornalista, com um incrível faro pra notícia, Vitor Coelho. A equipe inteira atônita, sem acreditar. Foi um teste para a emoção. Aquilo tudo foi muito, muito triste. Um nó na garganta. Mais um desfecho triste de um ano tão conturbado.

Como tem administrado o seu tempo por conta dos plantões? Você está nas madrugadas, certo?

Fui repórter por 15 anos. Aliás, repórter a gente é pra sempre. Então, nunca tive horários. A vida de jornalista é assim, imprevisível.  Eu acho que me adapto facilmente a essas situações. Basta mudar o seu foco, sua rotina. A tentativa, agora, é de levar uma vida mais saudável nesse período, descansar bastante, fazer exercício e ter uma boa alimentação, já que se passou o período de adaptação ao horário. Profissionalmente, a cidade também me abriu outras oportunidades, como o trabalho com eventos corporativos, como mestre de cerimônia. Um trabalho paralelo e complementar ao da TV. Sou agitado. Não paro. Acho que os projetos nos mantém vivos e com esperança.

Fernando comanda o Madrugada BandNews (Reprodução/instagram)

A mudança de cidade mexeu de alguma forma com o seu estilo de vida?

Sempre mexe. Na verdade, eu me mudei bastante. Fiquei doze anos no grupo Globo e passei por emissoras do grupo em Governador Valadares/ MG, Ribeirão Preto/ SP, Brasília/ DF, Rio de Janeiro/ RJ, Maceió/ AL, Belo Horizonte / MG (minha terra natal). Neste ano, os caminhos mudaram. Acredito que sempre há razões importantes que levam às mudanças. Tem sido uma experiência muito rica. Sou grato às empresas pelas quais passei, aos chefes que tive, aos colegas de trabalho. A gente aprende a todo momento. Basta olhar pro lado e essa colcha de retalhos que é a vida vai sendo tecida. Aqui,  estou me adaptando aos horários, ao descanso, voltando à rotina. Ainda preciso voltar aos exercícios físicos, que sempre fiz: Crossfit, academia, natação. Mas já é uma meta pro próximo mês. Um passo por vez.

O que mais destaca em SP?

São Paulo é um universo. Um lugar diverso, onde se encontra de tudo. A Cultura pulula. Sou um aficionados por arte, música (da erudita ao rock pesado, passando pela MPB). O tradicional e o contemporâneo se encontram em Sampa: uma mistura gostosa. Sempre quis vir para a cidade. Era um desejo bem antigo. Estou muito feliz de trabalhar nessa cidade e de viver aqui. Também estou feliz por ter sido tão bem acolhido.

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