Trama capenga de A Dona do Pedaço pode ditar os rumos do horário nobre da Globo

Publicado em 22/11/2019

A Dona do Pedaço, terceira incursão de Walcyr Carrasco na faixa das nove da Globo, reafirmou o talento do autor para oferecer ao espectador o que ele quer. O novelista, hábil reciclador de histórias, mostrou que um fiapo de trama, mas com muitos pontos de viradas e episódios de catarse, é uma das maneiras mais infalíveis de fisgar o público. Mais uma vez, deu certo.

O sucesso de A Dona do Pedaço mostra que o público não se importava com a falta de sentido do enredo. Tanto fazia quais eram as motivações da vilã Josiane (Agatha Moreira), desde que suas atitudes a levassem à catarse. Nunca fez sentido o ódio de Josiane pela mãe, a excessivamente ingênua Maria da Paz (Juliana Paes), mas isso não importou de fato. Pontos de virada, como quando Maria da Paz descobriu as armações da filha, ou o julgamento que levou a vilã à cadeia, é que seguraram o público diante da telinha.

Também não importou se Vivi Guedes (Paolla Oliveira) era uma digital influencer de araque. Seu romance com Chiclete (Sergio Guizé) pegou fogo, ao ponto de seu ex Camilo (Lee Taylor) virar um psicopata desequilibrado. E que a manteve em cárcere privado diante dos olhos de todos, que nada fizeram para ajudá-la. Não fez sentido, mas levou ao apoteótico momento em que Chiclete salva a mocinha. Mais um ponto de virada, que provoca a catarse e, consequentemente, o interesse da audiência.

Estilo

Walcyr Carrasco tem um estilo didático de contar suas histórias. Um tom quase infantil, que funciona muito bem nas comédias românticas das seis dele. Ao levar este estilo ao horário nobre, mesclando o tom tatibitate com histórias pretensamente adultas e com algum merchandising social, o novelista aperfeiçoou tal estilo. E foi ao encontro do que o público espera dele, afinal, todas as suas novelas das 21 horas foram sucesso de audiência.

E, a princípio, não há problema nisso. Carrasco tem uma maneira de criar que dá resultados, embora a crítica torça o nariz, e isso não o desmerece. Afinal de contas, ele cria novelas populares, e a verdade é que o autor é muito bom nisso.

O que pode ser um problema é que o sucesso das novelas de Walcyr Carrasco se reflita na faixa das nove como um todo. Basta puxar pela memória os últimos títulos do horário para perceber que a Globo teve mais erros que acertos no horário. Carrasco está entre os acertos e, por isso, se tornou referência. E seu estilo pode impregnar no processo criativo de outros autores. Isso não é bom para o público.

Despretensão

Avenida Brasil, principal sucesso das nove da década, consagrou João Emanuel Carneiro. Que levou seu estilo meio noir à sua trama seguinte, a pretensiosa A Regra do Jogo. Não deu certo. Enquanto isso, Carrasco enfileirou sucessos. Deste modo, em sua novela seguinte, Carneiro optou por uma trama mais simples (e até simplória), Segundo Sol. Que não foi um fiasco, mas esteve longe de ser uma unanimidade.

Ou seja, o estilo “carrasquiano” vem influenciando outros autores que buscam sucesso. E isso não é bom. O que torna a faixa das nove atrativa é justamente a rotatividade de temas e estilos. Num momento em que a direção da emissora adota uma fórmula pronta para alcançar o sucesso, o processo criativo é prejudicado.

Felizmente, isso ainda não é regra. Amor de Mãe vem aí, lançando uma nova autora e com a intenção de propor um enredo mais maduro e bem construído. Ou seja, a emissora ainda está disposta a apostar em novidade e mesclar estilos e temáticas. Mas, caso Amor de Mãe não emplaque, a tendência é que o estilo catártico de Walcyr volte com força total. E, para isso, já temos o próprio Walcyr Carrasco. Não é preciso que outro autor tente segui-lo.

*As informações e opiniões expressas nessa crítica são de total responsabilidade de seu autor e podem ou não refletir a opinião deste veículo.

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